Embora 2023 ainda esteja em curso, já podemos afirmar com segurança que está se constituindo como um marco para alterações legislativas voltadas à proteção das mulheres e à promoção da igualdade de gênero.
Em que pese algumas leis ainda necessitarem de regulamentação ou de medidas para que sejam aplicadas na prática, o fato de o Governo Federal e do Legislativo terem voltado seus olhos para as mulheres é simbólico e representa um combate ao retrocesso das pautas de Direitos Humanos característico nos anos anteriores - o que nos proporciona um suspiro de alívio e esperança.
A conquista de direitos é o primeiro passo para que os grupos socialmente oprimidos tenham sua posição como sujeitos de direitos reconhecida. Existem patamares civilizatórios desejáveis a qualquer ser humano em sociedade, mas que ainda estão distantes para certas populações.
Os movimentos sociais lutam para que o Poder Legislativo amplie as condições de cidadania digna a todas as pessoas da sociedade. Aliás, a luta por um legislativo progressista é constante e inescapável – sobretudo em tempos reacionários em que observamos, por exemplo, a tentativa de anulação do casamento igualitário pela população LGBTQIA+. A importância do Legislativo na promoção da igualdade de gênero e no combate às muitas violências direcionadas às mulheres pode ser exemplificada pelos seguintes marcos:
-Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006): criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabeleceu medidas de assistência e proteção;
- Lei Carolina Dieckmann (nº 12.737/2012): criou o crime de invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares;
- Lei do Minuto Seguinte (nº 12.845/2013): oferece garantias a vítimas de violência sexual, como atendimento imediato pelo SUS, amparo médico, psicológico e social, exames preventivos e informações sobre seus direitos;
- Lei Joana Maranhão (nº 12.650/2015): aumentou para 20 anos o tempo que a vítima de abuso sexual de crianças e adolescentes tem para denunciar o crime (prazo prescricional). Além disso, estabeleceu que o prazo apenas começa a contar após a vítima completar 18 anos;
- Lei do Feminicídio (nº 13.104/2015): passou a prever o feminicídio como circunstância que aumenta a pena do crime de homicídio (circunstância qualificadora). Dessa forma, se comprovado que o assassinato de uma mulher ocorreu por razões da condição de sexo feminino (por exemplo um ex-marido ciumento), é configurado o feminicídio, que tem a pena maior que o homicídio simples;
- Lei nº 13.642/2018: atribuiu à Polícia Federal o dever de investigar os crimes de propagação de conteúdo misógino (definidos como aqueles que promovem ódio ou aversão às mulheres), quando sejam praticados na internet;
- Lei nº 13.931/2019: impôs aos serviços de saúde públicos e privados a obrigação de notificar às autoridades policiais, em até 24 horas, quando atenderem a casos de violência contra a mulher, para tomada das providências cabíveis e para fins estatísticos;
- Lei Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica (Lei nº 14.188/2021): criminalizou expressamente a violência psicológica contra a mulher; aumentou a pena da lesão corporal simples caso seja decorrente de violência doméstica; e, criou o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica que prevê, dentre outras medidas, que a letra X escrita na mão da mulher, preferencialmente com a cor vermelha, seja um sinal para alerta de violência doméstica;
- Lei nº 14.192/2021: criminalizou a Fake News (divulgar fatos que se sabe mentirosos na propaganda eleitoral); criminalizou a violência política contra a mulher (aumento de pena se a Fake News for discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia); estabeleceu normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher; e, assegurou a participação de mulheres em debates eleitorais, proporcionalmente ao número de candidatas às eleições;
- Lei nº 14.326/2022: assegurou à gestante ou puérpera encarcerada o direito a tratamento humanitário antes e durante o trabalho de parto, e no período de puerpério, bem como assegurou assistência integral à sua saúde e à saúde do recém-nascido;
- Lei emprega + mulheres (nº Lei 14.457/22): introduziu o programa “Mais Mulheres” estabelecendo medidas direcionadas à proteção da empregabilidade feminina, dentre elas o combate ao assédio sexual e moral no ambiente de trabalho. Para tanto, alterou a nomenclatura e as atribuições da CIPA, que passou a se chamar CIPAA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio.
É evidente que as conquistas não surgiram como grandes ideias do Legislador, mas como resultado de décadas de trabalho político de mulheres. No entanto, é extremamente relevante o reconhecimento, pelo Estado, da extensão de patamares civilizatórios às mulheres, trazendo consigo mecanismos concretos com os quais somam forças às lutas.
Embora devamos reconhecer o longo percurso que hemos de construir, não podemos deixar que nossa distância do horizonte ideal nos impeça de celebrar as conquistas presentes - que são, na verdade, ótimos combustíveis de esperança para a luta.
Que tal, então, conhecer um pouco das novidades para as mulheres em 2023?
Delegacias da Mulher 24 horas – Lei nº 14.541/2023
Desde 04 de abril de 2023, a nº Lei 14.541 passou a prever o funcionamento ininterrupto das DDM, 24 horas por dia, todos os dias, inclusive em finais de semana e feriados.
Não havendo DDM no município, a vítima de violência doméstica deve dirigir-se à delegacia de polícia comum, que assegurará sua prioridade de atendimento, bem como que a ocorrência seja lavrada por uma agente mulher especializada nessa abordagem. Além disso, a Lei prevê ao Estado o dever de assistência psicológica e jurídica às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
Cota no Sistema Nacional de Emprego ("SINE") – Lei nº 14.542/2023
Desde 04 de abril de 2023 a nº Lei nº 14.542/2023 concedeu prioridade às mulheres em situação de violência doméstica e familiar no atendimento pelo SINE, reservando-lhes uma cota de 10% (dez por cento) das vagas ofertadas para intermediação de emprego. Caso não haja 10% de vítimas cadastradas no SINE, as vagas remanescentes dessa cota serão direcionadas necessariamente a mulheres, ainda que não estejam em situação de violência.
Considerando que a dependência econômica é um dos fatores de suscetibilidade da mulher à violência doméstica, a alteração legislativa pode contribuir na emancipação das tantas mulheres que se sentem presas a relacionamentos abusivos por não vislumbrarem condições de sustento de si e de seus filhos fora da relação.
Administração Pública contra a violência sexual – Lei nº 14.540/2023
A Lei nº 14.540/2023 entrou em vigor em 04 de abril de 2023, trazendo medidas a serem adotadas pela Administração Pública para a prevenção e enfrentamento aos crimes contra a dignidade sexual.
Os principais objetivos da lei são: prevenir e enfrentar a prática do assédio sexual e demais formas de violência sexual nos órgãos da Administração Pública (direta e indireta) federal, estadual, municipal e distrital; capacitar agentes públicos para o desenvolvimento e implementação dos objetivos mencionados; e, implementar e disseminar campanhas educativas.
A seguir, citamos as principais diretrizes a serem adotadas pelos órgãos e entidades abrangidas pela lei:
- Explicação sobre os elementos caracterizadores do assédio sexual e outros crimes contra a dignidade sexual;
- Divulgação dos canais de denúncia de prática de assédio sexual e outros crimes contra a dignidade sexual;
- Estabelecimento de procedimentos para o encaminhamento de reclamações e denúncia de assédio sexual, devendo ser respeitados o sigilo e o devido processo legal;
- Divulgação da legislação pertinente de políticas pública de proteção e as garantias dos direitos das vítimas.
Trata-se do primeiro marco normativo que estimula uma mudança estrutural no Poder Executivo, promovendo um ambiente mais seguro para mulheres (que são a maioria das vítimas de violência sexual) no âmbito da Administração Pública.
Proteção imediata para mulheres que denunciam violência doméstica – Lei nº 14.550/2023
Com o objetivo de dar mais efetividade às Medidas Protetivas de Urgência (“MPU”), para que elas sejam concedidas a tempo de evitar mais danos às vítimas de violência doméstica, a lei nº 14.550/2023 estabeleceu que as MPU podem ser concedidas em liminar (cognição sumária), ou seja, basta o depoimento da vítima perante a autoridade policial ou uma petição simples por escrito, indicando indícios de violência, para que a MPU seja concedida.
Além disso, a lei da proteção imediata dispõe que a Lei Maria da Penha deve ser aplicada independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência, e independentemente da condição do agressor ou da ofendida. Isso é de extrema relevância na medida em que a sociedade patriarcal tem a tendência de culpabilizar as vítimas de violências decorrentes do gênero, atribuindo a elas a responsabilidade pelos crimes que sofreram. É aquela colocação de que “por estar alcoolizada ou usando roupa curta que a mulher foi violentada”; ou ainda a de que “o homem fez o que fez por estar bêbado”.
Ao dizer que nenhuma condição da vítima ou do agressor retiram a aplicação da Lei, o Legislador dá um recado para que a sociedade pare de colocar nas mulheres o peso das condutas criminosas dos homens.
Outra novidade é que deverão ser concedidas as medidas protetivas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.
Lei da Igualdade Salarial – Lei nº 14.611/2023
Embora a CLT já proibisse qualquer diferenciação salarial decorrente de sexo em seu artigo 461, a Lei da Igualdade Salarial veio para impor que as empresas tenham critérios mais transparentes sobre como pretendem garantir também a igualdade de oportunidades de crescimento no ambiente corporativo – o que, com o tempo, busca obter mais igualdade na existência de homens e mulheres ocupando os cargos de alto escalão.
Para tanto, o artigo 4º da lei elenca medidas garantidoras da igualdade salarial entre mulheres e homens, sendo elas:
- Estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios;
- Incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens;
- Disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial;
- Promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados; e
- Fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.
Além disso, o art. 5º da lei impõe às empresas que tenham mais de 100 (cem) empregados a obrigação de publicar semestralmente relatórios de transparência salarial e remuneratória, tomando o cuidado de resguardar os empregados e não expor dados sensíveis que os identifiquem.
Isso significa que entidades fiscalizadoras como Sindicatos ou o Ministério Público do Trabalho terão subsídios para verificar se, realmente, as empresas estão promovendo igualdade entre empregadas e empregados, ou se apenas instrumentalizam essa pauta pelo apelo discursivo do marketing.
Dessa forma, também consideramos que foi um grande avanço que a lei autoriza expressamente a atuação ativa dos Sindicatos nos casos de desigualdade salarial ou remuneratória – ocasiões em que o empregador terá de apresentar um plano para mitigar a desigualdade, contendo metas e prazos e deverá contar obrigatoriamente com a participação do Sindicato profissional.
Além de todas essas medidas, a lei também acertou ao impor multas mais significativas para as hipóteses de descumprimento de suas obrigações. Em caso de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, haverá aplicação de multa de dez vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro no caso de reincidência, sem prejuízo de indenização por danos morais.
O tema rendeu a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial, também coordenado pelo Ministério das Mulheres e pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que visa a regulamentação da nova norma e ao qual acompanhamos com afinco.
Licença-maternidade para beneficiadas do Bolsa-Atleta – Lei nº Lei 14.614/23
Desde 04 de julho de 2023, a lei garante o pagamento das parcelas da Bolsa-Atleta às mulheres durante o período da gestação, para além de manter o pagamento por mais seis meses após o nascimento da criança. O benefício também é válido para atletas adotantes. A lei também dispensa a comprovação de plena atividade esportiva durante o período de gestação e no puerpério, o que garante dignidade tanto à atleta como ao nascituro.
Outro ponto interessante é que a lei assegurou às atletas gestantes ou puérperas a prioridade na renovação da Bolsa-Atleta, juntamente com os atletas da categoria Pódio e daqueles que conquistarem medalhas nos jogos olímpicos e paraolímpicos.
Ordem dos Advogados do Brasil (“OAB”) contra o assédio e a discriminação – Lei nº 14.612/23
O Estatuto da OAB incluiu no rol de infrações éticas e disciplinares a prática de assédio sexual e moral, e a discriminação, punindo-as com a penalidade de suspensão do exercício da advocacia.
Para dar efetividade à lei, o Legislador definiu no que consistiriam as práticas dos assédios moral e sexual e da discriminação, conforme informado abaixo.
- Assédio moral: conduta praticada no exercício profissional por meio da repetição de gestos, palavras faladas ou escritas ou comportamentos que exponham o estagiário, advogado ou qualquer outro profissional a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de lhes causar ofensa à personalidade, à dignidade e à integridade psíquica ou física, visando excluí-los de suas funções ou desestabilizá-los emocionalmente.
- Assédio sexual: conduta de conotação sexual praticada no exercício profissional ou em razão dele, manifestada fisicamente ou por palavras, gestos ou outros meios, proposta ou imposta à pessoa contra sua vontade, causando-lhe constrangimento e violando sua liberdade sexual.
- Discriminação: conduta comissiva ou omissiva que dispense tratamento constrangedor ou humilhante a pessoa ou grupo de pessoas, em razão de deficiência, raça, cor ou sexo, procedência nacional ou regional, condição de gestante, lactante ou nutriz, faixa etária, religião ou outro fator.
É sempre interessante quando o Legislador opta por descrever as condutas que consistem nas práticas coibidas pela Lei, pois esse esforço acaba sendo traduzido em avanços em outras frentes, que poderão utilizar essas descrições como referência.
Lei “Empresa Amiga da Mulher” – Lei nº 14.682/2023
A lei em questão prevê uma certificação (a concessão de um selo) para as empresas que comprovarem, ao menos, dois dos seguintes requisitos:
- Reservar pelo menos 2% das vagas para contratar mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, garantido o anonimato dessa condição;
- Possuir política de ampliação da participação da mulher nos cargos da alta administração da empresa;
- Adotar práticas educativas e de promoção dos direitos das mulheres e de prevenção da violência doméstica e familiar;
- Garantir a equiparação salarial com os homens.
O selo terá a validade de 2 anos, podendo ser renovado, caso a empresa comprove que se mantém cumprindo os requisitos de sua concessão. Muitas empresas poderão ter interesse na adesão, visto que o selo representa fator de desempate em licitações e contratos com a administração pública. Os procedimentos de concessão, renovação e perda do selo Empresa Amiga da Mulher ainda estão pendentes de regulamentação.
Por fim, um ponto interessante é que a presente lei dialoga com a Lei da Igualdade Salarial, trazendo como um dos seus requisitos exatamente a existência de igualdade salarial entre os gêneros, bem como, a possibilidade de ascensão da mulher nos altos cargos da empresa. Assim, há indicativos de que a adoção de uma agenda de respeito aos relatórios propostos pela Lei de Igualdade Salarial seja critério na regulamentação da presente lei.
Lei “Empresa Amiga da Amamentação” – nº Lei 14.683/2023
A lei em questão tem o objetivo de estimular empresas no desenvolvimento de ações de incentivo ao aleitamento materno, por intermédio de uma certificação (concessão do selo) de “Empresa Amiga da Amamentação”.
A certificação será concedida para as empresas que cumprirem, cumulativamente, os seguintes requisitos:
- Respeito ao intervalo de amamentação que é direito da empregada lactante por força do art. 396 da CLT;
- Manutenção de local específico e adequado para uso das mulheres lactantes para amamentação ou coleta de leite materno;
- Execução de campanhas internas de conscientização sobre a importância do aleitamento materno, estimular a doação aos bancos de leite humano;
- Iluminação ou decoração de seus espaços externos com a cor dourada no mês de agosto, para conscientizar a comunidade sobre a importância da amamentação, durante a campanha mundial de incentivo ao aleitamento materno.
O selo terá a validade de 1 (um) ano e sua concessão será reavaliada periodicamente. Será vedada a concessão do selo para empresas com autuação administrativa concluída ou condenação por trabalho infantil.
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